domingo, 4 de maio de 2008

Ana estava sentada. Sentada em uma poltrona toda colorida, bem psicodélica e cheia de rabiscos. Estava sentada na poltrona em frente ao espelho de seu quarto, de olhos fechados. Então imagina-se naquelas enormes salas de um grande psicólogo, em um sofá preto de couro bem aconchegante, sentia-se no divã. Falava de forma incontrolável sobre os acontecimentos passados. A verdade é que andara recebendo muitos bilhetes ultimamente, bilhetes secretos, sem nome, nem nada; o assunto era basicamente o mesmo: coisas sobre quem ela era realmente, o que estava fazendo no mundo e como ajudar alguém. Ela já estava desesperada com essa história de ter um estranho enchendo a sua cabeça com perguntas estranhas; outro dia leu na revista sobre o perigo que é receber cartas anônimas, ainda mais na situação do mundo de hoje. Qual era a desse cara? Era homem? Era mulher? Nem sabia, só tinha certeza de que essa pessoa era muito estranha. Foi aí que entrou em um colapso nervoso e recorreu a seu melhor psicólogo, ela mesma. Não que fosse egoísta o bastante para se abrir com alguém, é que com certeza achariam que ela estava tendo um distúrbio mental ou algo do gênero; sabe como é né? Hoje qualquer coisinha é elevada a um certo grau de loucura.
E então em frente ao espelho passou duas horas da sua tarde de domingo. Estava muito concentrada em solucionar a sua atual situação como alvo de um suposto louco, seria algum pacifista? comunista? anti-global? Quem seria?. Passado um tempo, esqueceu essas perguntas e se focalizou nas perguntas que estavam fazendo a ela - Quem é você? O que você está fazendo no mundo? - Ela não entendia muito essa coisa toda de movimentos revolucionários, nem de paz interior, só tinha certeza de que não estava em paz consigo mesma. Outro dia mesmo o seu vizinho tinha sido morto e não houve nem ao menos uma passeata contra a violência, aquilo a incomodava e sabia que alguém tinha conhecimento disso. Abriu os olhos e viu-se no espelho: era magra, loira e tinham os olhos escuros, fortes e profundas olheiras; pensou 'o que eu posso fazer?' e como se de repente alguém lá em cima ouvisse a sua pergunta ela sentiu a resposta, isso mesmo, sentiu, a sua mente se abriu, sentiu dor, sentiu comoção, sentiu pena, ódio, amor e um pouco de solidão, percebeu que tinha que partir de cada um, ajoelhou-se e pediu em voz mansa : 'Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo tende piedade de nós.'
Pegou um papel e uma caneta para responder as cartas do desconhecido, felizmente não encontrou respostas. Talvez toda essa coisa de receber bilhetes tenha movido coisas dentro dela, ela não sabia por onde começar, tinha tanta coisa pra falar sobre si, mas nada que fosse satisfazer alguém; ela não sabia quem era, essa era a verdade, só sabia quem não era, e isso era muito proveitoso. Não que agora ela fosse mudar o mundo, nem organizar movimento contra o governo ou coisas do tipo, mas havia algo dentro dela que estava disposto a mudar alguma coisa.
'E quem é você?'

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